COMO DEBATER - Por Guilherme Tomishiyo

23/12/2012 03:53

 



Esse texto é recomendado para todos os iniciantes na arte do debate. Se você pensa que é avançado na área, provavelmente deve ler o texto da mesma forma, porque provavelmente não é. No texto, tentaremos abordar explicar tanto o que é um debate, quanto como argumentar, usar referências, refutar argumentos e regras de etiqueta.

 

===O QUE É UM DEBATE?===

Essa é fácil: debate é um diálogo entre duas ou mais partes que defendem logicamente suas teses, ao mesmo tempo que tentam invalidar logicamente as teses de seus adversários. Embora essa definição possa parecer trivial, veja que ela implica em uma série de coisas que as pessoas geralmente não esperam na internet, como:

 

 

  1. As partes do debate não tem nenhuma obrigação de fazer os seus adversários mudarem de ideia. O que eles devem fazer é sustentar logicamente a tese deles e derrubar a do adversário. Se ele vai se convencer ou não, é problema dele. Pense no debate como um jogo: quem argumentar melhor ganhou. Mudar de ideia é outra conversa;
  2. As partes do debate não tem obrigação nenhuma de ensinar nada aos seus adversários. Quem dá aula é professor. Se um dos lados alegar e provar conhecimento técnico, e o outro lado não acompanhar, o problema é dele. Pode-se ensinar por caridade, mas não é obrigação dos debatedores; 
  3. Não importa no debate o quão estável e fortemente defendida a sua ideia seja em meios acadêmicos, você ainda tem o ônus de sustentá-la. Por exemplo, vamos supor que eu vá tentar defender a já muito sólida Teoria da Relatividade Geral. Não importa o quão sólida seja a minha ideia na academia, o que se está julgando é a minha capacidade argumentativa ao defendê-la. 
  4. Não se busca "chegar a verdade", "construir conhecimento" ou "aprender" em um debate, tão somente defender logicamente a sua tese, e atacar a do oponente. Note que neste processo pode-se ter aprendizado, construção de conhecimento, ou revelação da verdade, mas isso é produto, e não objetivo de um debate.

 

Entre outros pontos. Agora, o que significa defender logicamente uma tese? Significa defender a ideia que se quer representar por meio de argumentos lógicos.

 

===O QUE SÃO ARGUMENTOS?===

Um argumento lógico é um conjunto de proposições declarativas (sim, é relevante o fato delas serem declarativas) que tomadas em conjunto implicam logicamente em uma conclusão. Por exemplo, o cansativo:

  1. Todo homem é mortal;
  2. Sócrates é um homem;
  3. Portanto, Sócrates é mortal.

 

No argumento acima, 1 é chamado de premissa maior, 2 de premissa menor, e 3 é a conclusão. Veja que as duas premissas, tomadas em conjunto, implicam logicamente na conclusão. Argumentos com essa estruturação (premissa maior, premissa menor, conclusão) são chamados de silogismos, e essa é uma estrutura criada inicialmente pelo filósofo grego Aristóteles. Em notação puramente lógica, poderíamos escrever:

 

  1. Todo A é x;
  2. B é A;
  3. Portanto, B é x. 

 

Ou ainda, se todo A é x, e B é A, logo B é x. Note que os valores das premissas são exatos, i.e, assumem exatamente o significado do que está escrito. O silogismo:

 

  1. Todo homem é mortal;
  2. Sócrates é um humano;
  3. Portanto, Sócrates é mortal.

 

não é logicamente válido! Só assim o seria se for explicitado antes que homem está sendo usado como sinônimo de humano, ou se adicionarmos uma premissa da forma "Todo humano é homem" e uma conclusão preliminar "Portanto, Sócrates é um homem". Nesse exemplo, contudo, essa bem claro que as duas palavras são sinônimos, de maneira que apesar de formalmente errado, poucos debatedores implicariam com o erro porque é mera formalidade e pode ser facilmente corrigido. Esse não é sempre o caso, então tente construir os argumentos para serem formalmente válidos, na maioria das vezes, ou você pode ser refutado por descuido de palavras.

 

Até o momento, só analisamos o que É um argumento. Vamos agora discutir a validade de um argumento. Um argumento é válido se e somente se a conclusão do argumento deriva logicamente de suas premissas. Por exemplo, o argumento:

 

  1. Todo homem vive no Brasil;
  2. Napoleão Bonaparte é um homem;
  3. Portanto, Napoleão Bonaparte vive no Brasil.

 

é um argumento válido. "Mas Napoleão Bonaparte NÃO VIVE no Brasil!", você pode estar pensando. A questão é que a pergunta "um argumento é válido?" é o mesmo que perguntar "a conclusão de um argumento segue de suas premissas?", e no caso, a resposta é sim. O argumento é válido. Entrementes, se perguntarmos "a conclusão do argumento é verdadeira?", é uma pergunta bem diferente. Dizer que um argumento é válido só significa dizer que se as premissas dele forem verdadeiras, então a conclusão é verdadeira. No caso do argumento apresentado, a premissa "Todo homem vive no Brasil" é falsa, e portanto a conclusão "Portanto, Napoleão Bonaparte vive no Brasil" está indemonstrada. A validade do argumento continua intocada, entretanto. No contexto do debate, é comum aparecerem falácias:

 

*Falácias são erros lógicos de um argumento, i.e, é um argumento cuja conclusão não deriva das premissas apresentadas. Existem as falácias mais comuns, como ad hominem (atacar um argumentador e concluir a partir daí que o seu argumento é inválido), apelo a autoridade (alegar que a antítese é defendida por alguma autoridade da área, e portanto o argumento é falso), etc. Mas vale lembrar, e isso é importante, que novamente, o erro é lógico. Por exemplo, o silogismo:

 

 

  1. Todo homem vive no Brasil;
  2. Napoleão Bonaparte é um homem;
  3. Portanto, Napoleão Bonaparte vive no Brasil.

 

Não é falacioso! A conclusão segue logicamente das premissas, não há falácia alguma no argumento. A conclusão do argumento não é demonstrada, porque uma das premissas é falsa.  Meu exemplo favorito de um argumento falacioso é esse:

 

  1. Grego é uma língua;
  2. Sócrates é grego;
  3. Portanto, Sócrates é uma língua.

 

No silogismo acima, a menos que o argumentador de fato esteja sugerindo que o grego na primeira e na segunda premissa tem o mesmo significado (caso no qual a premissa 2 é falsa e portanto a conclusão não está demonstrada), temos uma falácia, pois o sentido de grego na premissa 1 é diferente do sentido de grego na premissa 2. Se notarmos como grego* o indíviduo que vive na Grécia, e como grego o idioma falado na Grécia, então o silogismo torna-se:

 

  1. Grego é uma língua;
  2. Sócrates é grego*;
  3. Portanto, Sócrates é uma língua.

 

Vê agora que claramente a conclusão não deriva das premissas? Isso é uma falácia. Não concordar com uma das premissas de um argumento não torna o argumento uma falácia, portanto, cuidado quando for usar o termo! Assim, há duas formas de se refutar um argumento:

 

*Mostrar que a conclusão do argumento não deriva logicamente de suas premissas (mostrando assim que o argumento é uma falácia);

**Mostrar que uma ou mais das premissas do argumento é falsa, e portanto a conclusão permanece indemonstrada.

 

Para o primeiro ponto, deve-se analisar a estrutura lógica do argumento. Regras de lógica clássica e lógica formal podem ser um pouco complexas, futuramente, pretendo incrementar o texto e levá-las em consideração. O segundo ponto é atingido por meio de contra-argumentos (que concluem que uma das premissas é falsa), por meio de contra-evidências, entre outros artifícios.

===COMO USAR REFERÊNCIAS===

Em um debate, é comum precisarmos lançar mão de referências externas ao debate. Sejam dados de pesquisa, trechos de livros texto, artigos científicos, citações de autores ou de livros religiosos, e etc. Quando é apropriado uma referência e quando não é? Uma referência é apropriada para:

 

  1. Dar suporte a uma das premissas de um argumento (por exemplo, digamos que eu formule um argumento que tenha como premissa "O negro é socialmente excluído", eu posso usar de pesquisas de desigualdade de renda, acesso a nível superior, entre outros, pra justificar a minha premissa);
  2. Justificar conhecimento técnico cuja a veracidade não é óbvia ou imediatamente acessível aos debatedores ou aos espectadores do debate. Por exemplo, se eu afirmar que "a gravidade é uma deformação do espaço-tempo", a demonstração de minha assertativa não é nem um pouco óbvia ou trivial de ser acompanhada por leigos em física. O que eu posso fazer no contexto é mostrar que a comunidade científica concorda com a minha assertativa, e que o conhecimento é lugar comum na academia. Note que isso não contradiz o que eu disse sobre a irrelevância da solidez da minha tese frente a academia, anteriormente no texto, porque aqui eu estou usando fontes acadêmicas para dar suporte a uma premissa de um argumento, e não diretamentecomo argumento.
  3. Justificar convenções. Por exemplo, a igualdade ser um princípio da Constituição Federal Brasileira não é algo de alçada de argumentos lógicos. Se eu quero justificar a minha citação, convém uma referência que mostre que de fato isso existe na CF. Outras situações de convenção incluem esclarecer significados de palavras, notação científica, etc.
  4. Troca de conhecimento caridosa. Se se está com disposição e pretende-se compartilhar conhecimento com o interlocutor, não faz mal nenhum citar referências de onde o mesmo possa se aprofundar no discutido.

 

 O ideal na citação de uma referência é um link (ou nome do autor do material, seguido de características relevantes - se for um filme/vídeo, o tempo em que transcorre o desejado, se for um livro ou jornal, a página e edição apropriada) com a transcrição da parte que se deseja referenciar. Por exemplo, se eu desejo mostrar uma fonte que dê suporte a minha asserção de que "a massa causa uma deformação do espaço-tempo" eu poderia citar:

 

AN INTRODUCTION TO MODERN ASTROPHYSICS - 2nd Edition (Bradley W.Carrol, Dale A.Ostlie, Pag.610-611):"Distance between two points in the space surrounding a massive object are altered in a way that can be interpreted as space becoming curved through a fourth spatial dimension perpendicular to all of the usual three spatial directions.[...] In the language of unified spacetime, mass acts on spacetime, telling it how to curve."

 

Não é apropriado usar referências para:

 

* Argumentar por você. Isso incluí "argumentos" da forma: "Leia fulano ou ciclano e verá que estou certo" ou "Assista a esse documentário de 10 horas no Youtube e leia esses trinta textos em blogs que verá que eu tenho razão". Ora, se de fato o texto, livro ou vídeo provar o seu ponto, é só repetir a argumentação no debate. Quem faz a afirmação deve sustentar o ônus, e ninguém é obrigado a formular ou procurar o argumento por você.

 

**Dar suporte a assuntos que não são de competência da referência. Por exemplo, citar um artigo de letras pra tentar provar que a religião é um malefício social não faz o mínimo sentido. Citar a revista "Mais Você" pra dar suporte a afirmação de que álcool é um composto orgânico também não. Embora nem sempre seja errado fazer isso, é claramente inapropriado, no mínimo.



===CONCLUSÃO===

O texto foi escrito para ajudar novos interessados nesse hábito que hoje já é esquecido na sociedade. Tentei ser didático, suscinto, e ao mesmo tempo, manter um certo toque de humor, sem perder muito da formalidade. Entretanto, da mesma forma como o pato nada, voa e anda, porém não faz nenhuma das coisas direito, o texto pode correr o risco de ter falhado ou deixado a desejar em algum ponto. Por isso, gostaria de pedir a opinião dos leitores sobre o que ficou confuso, o que poderia melhorar, o que está faltando, o que está bem explicado e o que não se concorda ser necessário (entretanto, preparem os argumentos)! Futuras edições do texto podem incluir sua sugestão. Obrigado pela leitura, e bom debate!